segunda-feira, 20 de abril de 2009


Venerável Perfeição da Sabedoria
Sutra do Coração

OM...

Homenagem à venerável Prajana Paramita!

Avalokiteshvara o Bodhisattva,
Em profunda meditação Prajana Paramita
Viu claramente a vacuidade da natureza dos cinco agregados
E libertou-se de todo sofrimento e dor.

Ó Shariputra, forma não é senão vacuidade,
Vacuidade não é senão forma;
Forma é precisamente vacuidade,
Vacuidade é precisamente forma.
Sensação, percepção, impulso,
Conhecimento
são também assim.

Ó Shariputra, todas as coisas são expressões da vacuidade.
Não nascidas não destruídas;
Não maculadas, não puras,
Sem crescimento sem declínio.
Assim na vacuidade não há forma,
Sensação, percepção, impulso nem consciência;
Não há olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente;
Não há cor, som, odor, sabor, tacto, objeto;
Não há campo de visão nem campo de consciência;
Não há ignorância nem fim da ignorância.
Não há velhice e morte nem cessação da velhice e morte;
Não há sofrimento nem causa do sofrimento.
Não há caminho, não há sabedoria nem proveito.

Sem proveito, assim os Bodhisattvas
Vivem esta Prajana Paramita
Sem obstáculos na mente.
Sem obstáculos e por isso sem medo.
Muito para além das ilusões;
O Nirvana é aqui.
Todos os Budas passados, presentes e futuros
Vivem esta Prajana Paramita
E alcançam a suprema, perfeita iluminação.

Por isso deves saber que a Prajana Paramita é o sagrado mantra; O mantra de grande sabedoria,
O melhor mantra.
O mantra luminoso,
O mantra supremo,
O mantra incomparável.
Que dissipa todo o sofrimento.
Isto é verdade não decepção.
Por isso pratica o mantra da Prajana Paramita.
Pratica este mantra e proclama:

GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SVAHA!


Isto completa o Coração da Venerável Perfeição da Sabedoria.


http://www.sintoniasaintgermain.com.br/HeartSutraPortugues.html

sábado, 18 de abril de 2009

A Confissão

2. A Confissão


[1] Para conquistar esta jóia que é a Bodhichitta, presto homenagem aos Buddhas, à jóia pura do Dharma supremo e aos filhos dos Buddhas [Sangha], oceanos de mérito espiritual.

[Dharma é o conjunto dos ensinamentos dados pelos Buddhas e pelos mestres realizados que mostram o caminho para a iluminação. Há dois tipos: o Dharma das escrituras, que é o suporte destes ensinamentos, e o Dharma da realização, que é o resultado da prática espiritual. Sangha é a assembléia dos discípulos do Buddha.]

[2-6] Todas as flores e todos os frutos, as ervas medicinais e todos os tesouros do universo, as águas puras e deliciosas, as montanhas feitas de preciosas gemas, as encantadoras solidões dos bosques, as lianas lindíssimas ornadas de flores, as árvores com os ramos vergando sob o peso dos frutos, os perfumes dos mundos divinos e humanos, a árvore dos desejos e as árvores de pedrarias resplandecentes, os lagos espargidos de flores de lótus e suspensos no canto dos cisnes, as plantas silvestres e as de cultivo, e tudo o que é nobre ornamento disseminado na imensidão do espaço, tudo isto, que não pertence a ninguém, considero-o na minha mente e ofereço-o aos Buddhas, sublimes entre os seres e aos seus filhos. Possam aceitá-los, tão dignos são das mais belas oferendas! Possam os grandes compassivos ter compaixão de mim!

[Segundo as mitologias hindu e buddhista, as árvores dos desejos ou Kalpadrumas são as cinco árvores celestiais que dão como fruto tudo aquilo que desejamos.]

[7] Não tenho o menor mérito e sou tão pobre que nada mais posso oferecer. Hajam por bem os protetores — sempre pensando no bem dos outros —, graças aos deus poderes, receber estas oferendas para o meu bem!

[8] Eu mesmo me ofereço para toda a eternidade aos Jinas e aos seus filhos. Admitam-me ao vosso serviço, oh seres sublimes! É com devoção que me faço vosso servidor.

[Jina, "vitorioso", "vencedor" ou "conquistador", é um epíteto dos Buddhas.]

[9] Agora, aceite ao vosso serviço, acabou-se o medo. Trabalho para o bem de todos os seres, escapei aos danos antigos e não renovo o nefasto agir.

[10-11] Em termas perfumadas e que encantam os olhos com as colunas esplêndidas de jóias, cortinas resplandecentes bordadas a pérolas e lajes de puro e brilhante cristal, com muitas jarras incrustadas de gemas preciosas, transbordando de água perfumada, ao som de cânticos e de música, preparo os banhos dos Buddhas e de seus filhos.

[12] Com toalhas sem igual, impregnadas de incensos, impecáveis e imaculadas, seco-lhes o corpo e visto-os, com túnicas sedosas e perfumadas.

[13] Com roupas etéreas, delicadas, finíssimas, esplendentes, e com profusos ornamentos, adorno Samantabhadra, Ajita, Manjushri, Lokeshvara e os outros Bodhisattvas.

[Samantabhadra é o Bodhisattva que simboliza a oração e a oferenda sem limites; o Bodhiattva Ajita-Maitreya é o Buddha do futuro; o Bodhisattva Manjushri personifica a sabedoria perfeita; e Lokeshvara, ou Avalokiteshvara, é o Bodhisattva da compaixão.]

[4] Com fragrâncias delicadas, de perfume penetrando até aos confins do universo, unjo os corpos de todos o Buddhas, resplandecentes como ouro purificado, lustroso e polido.

[15] Com todas as flores de perfume inebriante, o jasmim, o lótus azul e a eritrina, com graciosas guirlandas, honro os tão veneráveis Buddhas.

[16] Ofereço-lhes nuvens de incenso que alegram o coração, com o seu sutil e envolvente perfume. Presto-lhes homenagem com vasto sortido de alimentos e bebidas celestiais.

[17] Dispostos em leitos de lótus de ouro, acendo lamparinas de pedrarias preciosas e lanço, ao longo de lajes polidas de perfume, punhados de pétalas de flores encantadas.

[18] Ofereço a estes misericordiosos inconcebíveis palácios celestiais decorados de magníficas grinaldas de pérolas e de jóias, ornamentos de um céu sem limite, reverberando melodiosos hinos.

[19] Aos possantes Buddhas apresento altos pára-sóis com requintadas pedrarias, de cabos em ouro e grácil forma, incrustados de pérolas e de um brilho estonteante.

[20] Que se levantem nuvens de cantos e toadas que deleitam o coração, nuvens de oferendas que apaziguam a dor dos seres!

[21] Sobre todas as jóias do supremo Dharma, sobre Stupas e estátuas, caiam chuvas contínuas de flores, jóias e substâncias preciosas!

[As jóias do Dharma supremo são os doze tipos de textos sagrados: os ensinamentos orais do Buddha (sutram), os cantos versificados (geuam), as profecias (vyakaranam), os poemas sagrados (gatha), as instruções enunciadas pelo Buddha sem que tenha sido solicitado (udanam), as explicações preliminares aos ensinamentos (nidanam), as parábolas (avadanam), as histórias e as lendas (itivrittakam), as histórias sobre as vidas anteriores do Buddha (jatakam), as explicações detalhadas (vaipulyam), os ensinamentos extraordinários (adbhuta-dharma), os ensinamentos essenciais e concludentes (upadesha). Stupas são relicários buddhistas.]

[22] Assim como Manjushri e outros Bodhisattvas satisfizeram os Jinas com oferendas, também eu faço oferenda aos Buddhas e aos seus filhos.

[23] Com hinos lindos, marés de ritmos harmoniosos, exalto os que são oceanos de mérito; que sem cessar estes cânticos de louvor se levantem em revoada para eles!

[24] Prostro-me diante dos Buddhas dos três tempos, do Dharma e da suprema Sangha, com tantos os corpos quantos os átomos que hajam em todos os Campos de Buddha.

[Os três tempos são o presente, o passado e o futuro. Os campos de Buddha (Buddhakshetra), ou terras puras, são os mundos onde os Buddhas aparecem e ensinam. Há uma infinidade para além do nosso mundo terrestre, que é considerado o ampo do Buddha Shakyamuni.]

[25] Salve todos os Stupas e todos os suportes do Bodhichitta! Homenagem aos mestres espirituais e aos ascetas veneráveis!

[26] Refugio-me no Buddha até ao coração da iluminação; refugio-me no Dharma e na vasta Sangha dos Bodhisattvas.

[Esta é a fórmula de refúgio nas Três Jóias.]

[27] Com as mãos juntas, dirijo-me aos Bodhisattvas misericordiosos e aos Buddhas que vivem em todas as direções do espaço.

[Aqui começa a confissão das ações negativas (papadeshana) que dá o título a este capítulo. O que precede é designado pelas expressões de homenagem (vandana) e oferenda (pujana).]

[28-29] Todo o mal que fiz ou causei, embrutecido e estúpido na eternidade das transmigrações ou na presente vida, todo o mal que na minha cegueira aprovei, para minha perdição, confesso-o, consumido de remorsos.

[30-31] Todas as ofensas que cometi, subjugado pelas emoções, em ultraje às Três Jóias ou contra o meu pai e mãe, contra os mestres e todos os demais, quer por atos, palavras ou pensamentos; todo esse pernicioso agir que cometi, afligido pelos múltiplos vícios, tudo isto confesso, oh condutores do mundo!

[32] Como escapar a estas faltas? Apressai-vos para me salvar, não vá a morte chegar e eu por me redimir!

[33] É que a morte não se perde em considerações pelo que está ou não por fazer. Que ninguém se fie nela, de boa saúde ou doente, a vida pode partir de improviso.

[34] Vezes sem conta o prazer e o desagrado foram para mim ocasião de mal agir. Como pude esquecer que um dia teria de abandonar tudo e partir?

[35] Os que me incomodaram já não estarão aqui, os que me agradaram também não, e até eu já não existirei; aliás, nada subsistirá.

[36] O que agora percebo não passará de uma lembrança, assim como as coisas que nos atravessam os sonhos, passageiras, fugazes... nunca mais as veremos.

[37] Durante a minha permanência neste mundo, muitos se foram, uns amigos, outros inimigos, mas o mal que cometi por causa deles continua sempre presente, como uma ameaça que não me larga.

[38] Estou de passagem nesta terra, foi isso que não compreendi. Quanto mal não cometi por ignorância, por apego ou por ódio...

[39] Noite e dia, sem parar, a vida vai escorrendo e nenhum ganho a fará crescer: é tão inevitável morrer!

[40] Aqui mesmo, deitado no leito, ainda que rodeado pelos meus, terei de suportar sozinho os sofrimentos da agonia.

[41] Quando somos agarrados pelos mensageiros de Yama, o senhor da morte, de que valem parentes e amigos? Só o bem me pode trazer a salvação, mas o bem, esqueci-me de praticá-lo...

[O senhor da morte é Yama Dharmaraja, cujos enviados vêm atormentar os seres depois da morte e, se tal for o karma desses seres, os empurram para os reinos inferiores.]

[42] Por apego a esta vida efêmera, por ignorância do perigo, por frivolidade, fiz muito mal, oh protetores!

[43] O condenado que arrastam para lhe cortarem um membro está crispado pelo terror, a sede devora-o, a vista foge-lhe e fica transfigurado.

[44] Que será de mim quando os terríveis mensageiros de Yama me agarrarem, esgazeados pelo medonho assombro e pelo terrível desprezo?

[45] Os meus olhos, desorbitados pelo terror, procurarão em todos os cantos maneira de me salvar. Quem, por bondade, me virá livrar deste enorme perigo?

[46] Vendo o espaço vazio de qualquer socorro, mergulhando numa obscura loucura, ai de mim, que farei nesse lugar tenebroso?

[47] É desde já que apelo aos possantes guardiões do mundo, aos Jinas que dissipam todos os medos e guardam uma constante diligência para a proteção do mundo!

[48] Apelo do fundo do coração ao Dharma por eles realizado, que destrói os medos da transmigração, e apelo à multidão dos Bodhisattvas.

[49] Perdido de medo, entrego-me a Samantabhadra; dou-me inteiramente a Manjushri.

[50] Ao protetor Avalokiteshvara, cujos atos são todos eles conduzidos pela compaixão, lanço o meu grito de dor e de medo: protegei-me, a mim, o malfeitor!

[51] Ao nobre Akashagarbha e a Kshitigarbha, a todos os protetores compassivos, suplico: guardai-me!

[52] E àquele cuja simples aparição aterroriza e põe em fuga nas quatro direções os mensageiros da morte e os outros opressores, saudações a Vajrapani.

[Vajrapani, com Manjushri e Avalokiteshvara são os três Bodhisattvas chamados protetores das Três Famílias.]

[53] Transgredi a vossa palavra e agora, estarrecido face ao perigo, refugio-me em vós; apressai-vos a escorraçar este perigo!

[54] Se quando receamos uma simples doença passageira, seguimos sem violar a prescrição do médico, quanto mais quando estamos corroídos pela cobiça e pelas quatrocentas e quatro doenças.

[55] Ora, há doenças para as quais o universo inteiro não contém remédio e das quais uma só bastaria para destruir todos os habitantes do Jambudvipa.

[Jambudvipa é o nosso mundo, ao sul do Monte Meru.]

[56] E eu violo a palavra do médico onisciente que cura todas as dores! Que vergonha, que insensatez!

[Médico onisciente é um epíteto do Buddha.]

[57] Se sigo com tanta prudência quando caminho à beira de um precipício, porque sou tão desleixado nesta beira inferno, se este abismo é fundo de milhares de léguas e se estende na imensidão do tempo?

[58] "A morte não há de chegar hoje!" Que falsa certeza! A hora de deixar tudo aproxima-se, inexorável!

[59] Quem acalmará o meu terror? Como poderei escapar? Virá o dia em que deixarei de existir! Como a minha mente pode estar tranqüila?

[60] Que fruto me restará de todos os prazeres de outrora, hoje abolidos, nos quais me regozijei, em despeito da palavra do mestre?

[61] Ao deixar o mundo dos vivos, deixando parentes e amigos, irei só, mas não sei para onde. Que me importam então amigos ou inimigos?

[62] Uma só preocupação me deve ocupar noite e dia: as ações negativas produzem necessariamente a dor; como hei de me livrar delas?

[63-64] Os atos inconfessáveis que cometi por ignorância ou loucura, atos que são negativos por natureza ou por transgressão dos preceitos, confesso-os a todos, com o devido respeito e receio, as mãos juntas e prostrando-me sem cessar diante dos protetores.

[Os atos negativos por natureza são nomeadamente o ato de matar, o roubo, a má conduta sexual, a mentira, a violência verbal, a malvadez, etc. As transgressões dos preceitos são as faltas à regra monástica, para os que tomaram votos.]

[65] Que os guias conheçam as minhas faltas assim como elas são. Este mal, ó protetores, nunca mais o voltarei a cometer.

[Adaptado de O Caminho para a Iluminação — Bodhicaryavatara. Coleção Espiritualidades, série Budismo, sob a direção do Ogyen Kunzang Chöling. Escrito por Shantideva, tradução para o português por Filipe Valente Rocha e outros praticantes da escola do Budismo tibetano Ogyen Kunzang Chöling. Lisboa: Livros e Leituras, 1998. Pág. 33-43. O texto foi gentilmente transcrito por Sherab Chötso.]

http://shantideva.dharmanet.com.br/2.htm

NAGARJUNA


Alguém destinado a manter os Caminhos,
Após o Nirvana do Sugata,
Aparecerá depois de transcorrido algum tempo.
Sabei que ele será dotado de grande sabedoria.

Na região sulina, na Terra das Palmeiras,
Há de surgir o monge Shriman, de grande renome.
Ele será cognominado O Naga, e destruirá
Os extremos da existência e da não-existência.

Após pregar ao mundo meu veículo
Sob a forma do insuperável Mahayana
E alcançar o estágio da Grande Felicidade,
Ele partirá para o paraíso Sukhavati.

(Lankavatara Sutra)


Nagarjuna, como é amplamente sabido, fundou a tradição Madhyamika (Caminho do Meio) do buddhismo. Seu aparecimento foi profetizado em numerosos textos, entre os quais o Lankavatara Sutra, o Manjushri Mulakalpa Sutra, o Mahamegha Sutra e o Mahabheri Sutra.

Quatrocentos anos após o nirvana do Buddha Shakyamuni, vivia no sul da Índia, em uma região chamada Vidarbha (Terra das Palmeiras), um próspero brâmane que não tinha filhos. Em um sonho, apareceu-lhe um sinal indicativo que teria um filho desde que rendesse homenagens a cem brâmanes. Ele assim o fez, rogando ardorosamente para que seu desejo, guardado no fundo do coração, viesse a se realizar. Dez meses mais tarde, nascia o menino.

Um adivinho, a quem o recém-nascido fora levado, dissera que a criança, embora de fato portasse sinais de ser uma pessoa excepcional, viveria apenas sete dias. Os pais, ansiosos, perguntaram se havia alguma coisa a fazer para impedir esse destino. O adivinho respondeu que, se eles desse de comer a cem pessoas, o menino viveria sete dias, e que, se fizessem oferendas a cem monges, viveria sete anos, e nada além disso poderia ser feito. Os pais completaram a segunda das oferendas sugeridas. Ao se aproximar o final dos sete anos, o menino foi enviado em viagem na companhia de vários criados, pois os pais não se sentiam capazes de suportar a cena do cadáver do filho.

Durante a viagem, o menino teve uma visão da divindade Khasarpana (uma das manifestações de Avalokiteshvara). Logo depois, o grupo alcançou o grande monastério de Nalanda. Próximo à morada de um brâmane chamado Saraha, o menino recitou vários versos. O brâmane, ao ouvir as estrofes, convidou o grupo a entrar e perguntou sobre a viagem e como haviam chegado até Nalanda. Um dos criados narrou a história do menino e falou de sua morte iminente. Ao que Saraha respondeu que, se o menino abandonasse a vida mundana e fizesse voto de renúncia, poderia evitar a catástrofe. O menino seguiu o conselho e foi iniciado primeiramente na Mandala de Amitabha que Conquista Yama. Em seguida, foi instruído a recitar dharanis (mantras longos). Na véspera de seu sétimo aniversário, recitou mantras especiais durante a noite toda e, assim, superou o encontro com Yama, o Senhor da Morte.

Ao completar oito anos, o menino tomou o voto de renúncia e iniciou seus estudos sobre as ciências tradicionais. Estudou, igualmente, os textos das escrituras de cada uma das principais escolas de pensamento buddhista. Algum tempo depois, voltou a encontrar-se com os pais. Mais tarde pediu ao mesmo brâmane Saraha que o instruísse nos ensinamentos esotéricos de Shri Guhyasamaja e recebeu os ensinamentos dos tantras adequados junto com todas as respectivas instruções orais. A seguir, depois de apresentar uma solicitação formal ao abade do mosteiro, recebeu a ordenação plena de monge e passou a ser conhecido como o monge Shrimata.

Por ser uma dessas pessoas por quem Manjushri vela em todas as suas vidas, o monge teve oportunidade de escutar, na íntegra, o Dharma dos sutras e dos tantras diretamente do mestre Bodhisattva Ratnamuni, manifestação de Manjushri em seu aspecto de jovem divino. Assim, o monge Shrimata tornou-se um mestre consumado do Dharma.

Tempos mais tarde, uma grande escassez de alimentos abateu-se sobre Nalanda, deixando a comunidade monástica sem meios de subsistência. O abade Sthavira Rahulabhadra nomeou o monge Shrimata despenseiro da comunidade monástica. Embora a carestia perdurasse por doze anos, reduzindo muito a população da região de Magadha, o monge conseguiu sustentar a comunidade monástica valendo-se de seus conhecimentos de ciência alquímica. Ele adquirira tais conhecimentos de um brâmane versado em alquimia da seguinte forma: o monge preparou, inicialmente, duas folhas de sândalo como encantamento para produzir o poder da ligeireza, conhecido como Pés de Vento. Levando uma folha na mão e a outra escondida na sola do sapato, dirigiu-se à ilha distante onde habitava o brâmane e solicitou-lhe instruções sobre o "elixir que transforma metais comuns em ouro".

O brâmane pensou consigo que o forasteiro devia portar algum encantamento especial que lhe permitira chegar à ilha. Ávido por obtê-lo, disse ao monge: "Conhecimento deve se trocado por conhecimento, ou então ser remunerado em ouro". "Pois bem", respondeu o monge Shrimata, "vamos trocar conhecimentos", e entregou ao brâmane o encanto que trouxera na mão. Acreditando que o visitante não mais poderia deixar a ilha, o brâmane deu-lhe as instruções. Usando, então, a folha que guardara na sola do sapato, o monge retornou a Magadha. Assim, valendo-se do elixir alquímico, conseguiu suprir amplamente todas as necessidades essenciais da comunidade monástica de Nalanda transmutando grandes quantidades de ferro em ouro.

Algum tempo depois, o monge Shrimata passou a ocupar o cargo de abade de Nalanda. Prestou grande tributo aos membros da comunidade monástica que observavam adequadamente os três treinamentos (disciplina, sabedoria e meditação) e expulsou todos os monges e noviços que eram moralmente corruptos. Conta-se que baniu um total de oito mil monges.

Foi durante esse período, também, que um monge chamado Shamkara compôs um texto intitulado "O Ornamento do Conhecimento". Escrito em doze mil versos, representava uma tentativa de desacreditar a doutrina Mahayana. Fazendo uso da lógica, o monge Shrimata foi capaz de refutar a argumentação por completo. Também refutou muitos outros escritos que negavam a validade do Mahayana. Certa vez, em um local chamado Jatasamghata, suplantou quinhentos intelectuais não-buddhistas em um debate, convertendo-os à religião buddhista ao debelar suas visões errôneas.

Em uma ocasião, quando o mestre Shrimata estava ensinando a muitos seguidores o Dharma do Tripitaka (o cânone buddhista), dois jovens, que na verdade eram emanações de nagas (seres com cabeça humana e corpo de serpente), vieram ter com ele à procura do Dharma. Com a presença desses jovens, todo o ambiente impregnava-se de perfume de sândalo. Quando partiam, o perfume desaparecia e quando retornavam, voltava a aparecer. O mestre Shrimata perguntou-lhes a razão disso e os jovens responderam que eram filhos de Takshasa, rei dos nagas. Eles haviam-se ungido com a "argila dos nagas" (essência de sândalo) como imunização contra as impurezas humanas.

O mestre pediu então que lhe dessem um pouco de argila dos nagas para uma imagem de Tara, e que o assistissem na construção de templos. Os dois responderam que teriam de consultar o pai, partindo em seguida. Regressaram dois dias depois para dizer ao mestre Shrimata que só fariam o que ele propusera se fosse pessoalmente até a Terra dos Nagas. Ciente dos benefícios que a sua ida resultaria para todos os seres, o mestre Shrimata viajou à Terra dos Nagas, onde o rei Takshasa e outros nagas de mente nobre o presentearam com inúmeras oferendas. O mestre Shrimata pregou o Dharma aos nagas em resposta a suas solicitações, causando-lhes tanta satisfação que lhes rogaram que permanecesse entre eles para sempre. Sua resposta foi: "Como vim aqui com o propósito de obter o Prajna-paramita Sutra (Discurso sobre a Perfeição da Sabedoria) em Cem Mil Versos, bem como a argila dos nagas necessária à construção de templos e stupas (relicários), não posso permanecer agora. Talvez possa retornar no futuro."

Depois de ter adquirido a versão expandida da Mãe dos Vitoriosos (Prajna-paramita, a Perfeição da Sabedoria), vários textos curtos sobre Prajna-paramita e grandes quantidades de argila dos nagas, o mestre Shrimata preparou-se para retornar ao nosso mundo, Jambudvipa. Conta-se que, para assegurar o regresso do mestre Shrimata à sua terra, os nagas retiveram uma pequena parte final dos Cem Mil Versos. A parte faltante — os dois últimos capítulos do Discurso Não-condensado sobre a Perfeição da Sabedoria — foi, então, substituída pelos capítulos correspondentes do Discurso sobre a Perfeição da Sabedoria em Oito Mil Versos. Esta é a razão de os dois capítulos finais de ambos de ambos dos textos serem idênticos.

Depois de obter tais textos, o mestre Shrimata ampliou muito a influência da tradição Mahayana. Quando pregava o Dharma no parque do monastério, os nagas executavam atos de reverência — serpentes, por exemplo, formavam um guarda-sol para protegê-lo dos raios solares. Tornando-se o Senhor dos Nagas, o mestre Shrimata foi cognominado "O Naga". Devido à sua habilidade em difundir o Dharma do Mahayana, que se assemelhava à velocidade de arremesso e à maestria do famoso arqueiro Arjuna, ele também passou a ser conhecido como "O Arjuna". Outra versão, ainda, diz que era chamado "Nagarjuna" pois, ao executar as sadhanas (práticas meditativas) da divindade Kurukulla (Tara Vermelha), adquiriu autoridade sobre nagas como o rei Takshara e outros.

Nagarjuna viajou mais tarde à região de Pundravardhana onde, por meio da prática da alquimia, executou muitos atos de grande generosidade. Em especial, conferiu grande quantidade de ouro a um casal idoso de brâmanes, infundindo-lhes grande fé. O velho brâmane passou a servir Nagarjuna e a ouvir o Dharma junto a ele; após sua morte, o brâmane renasceu como o mestre Bodhinaga.

Nagarjuna também construiu muitos templos. Certa vez, quando se preparava para transformar em outro um grande rochedo em forma de sino, uma emanação de Tara, sob a forma de uma mulher idosa, apareceu e disse, "Em vez de fazer isso, você deveria ir à Montanha do Esplendor e praticar o Dharma". Tempos depois, ele de fato foi até esse local praticar as sadhanas de Tara.

Em outra ocasião, quando havia executado as sadhanas que invocavam a divindade Chandika, a própria divindade alçou Nagarjuna ao céu, tentando transportá-lo aos reinos celestiais. "Não me exercitei com o objetivo de viajar até os reinos celestiais", disse ele, "eu vos invoquei a fim de obter ajuda para a comunidade monástica Mahayana, enquanto perdurar o ensinamento do Buddha." Eles retornam, e a divindade estabeleceu-se a oeste de Nalanda, manifestando-se sob a forma de uma nobre da casta real. Nagarjuna instruiu-a, dizendo, "Uma grande estaca de madeira de khandira, tão pesada que um homem mal consegue levantá-la, foi introduzida na parece de um templo de pedra dedicado a Manjushri. Até que essa estaca se transforme em cinza, vós deveis prover a subsistência da comunidade monástica do templo".

Por doze anos, a nobre senhora fez oferendas de produtos de todo gênero à comunidade monástica. Durante esse período, o encarregado de despensa do monastério, um noviço de má índole, dirigia-lhe, continuamente, propostas indecorosas. A senhora não lhe dava resposta, até que um dia disse, "Se a estaca de khandira vier a se tornar cinza, nós poderemos nos unir". O noviço então ateou fogo à estaca e, quando ela se reduziu a cinzas, a divindade desapareceu.

Em outra ocasião, uma manada de elefantes estava ameaçando estragar a árvore bodhi em Vajrasana (Bodhgaya), sob a qual o Buddha atingiu a iluminação. Nagarjuna ergueu então duas colunas de pedra atrás da árvore sagrada, que lhe serviam de proteção por muitos anos. Quando os elefantes reapareceram, Nagarjuna construiu duas imagens de Mahakala, montadas em um leão e brandindo uma clave. Isso também surtiu efeito, embora o perigo, mais tarde, voltasse a surgir. Uma cerca de pedra foi então levantada em torno da árvore e, do lado de fora do cercado, Nagarjuna construiu 108 stupas. Estes eram enormes, cada um encimado por um stupa menor que continha relíquias dos ossos do Buddha.

Nagarjuna, ademais, construiu muitos templos e stupas nas seis principais cidades de Magadha — Shravasta, Shaketa, Champaka, Varanasi, Rajagriha e Vaishali — e proporcionou subsistência a muitos pregadores do Dharma.

Acima de tudo, Nagarjuna sabia que praticamente ninguém sabia o verdadeiro significado da coletânea do Discurso sobre a Perfeição da Sabedoria. Sabia também que, sem compreendê-lo perfeitamente, não haveria como alcançar a liberação. Proclamou, então, o Caminho do Meio, o qual afirma que o shunyata (o significado essencial da originação dependente, segundo o qual todas as coisas são inteiramente vazias de uma natureza que tenha existência própria) é totalmente coerente com os princípios que expressam uma relação infalível entre karma bom ou ruim e suas conseqüências. Em seu trabalho sobre lógica, uma coletânea em cinco partes, Nagarjuna explicitou com clareza o sentido último da sabedoria do Buddha. Esta coletânea compreende o tratado principal, o Mulamadhyamika Karika (Versos Raiz sobre o Caminho do Meio) e seus quatro braços, o Yukti Shashtika, o Shunyata Saptati, o Vaidalya Sutra e o Vigraha Vyavarttani.

Depois desse período, Nagarjuna ficou por seis meses no monte Ushira, localizado ao norte. Fazia-se acompanhar de mil discípulos, que sustentava com um tablete diário de um rasayana mercurial que havia preparado. Um dia, um dos dois discípulos, Siddha Singkhi, levou respeitosamente o tablete à fronte, mas não o ingeriu. Nagarjuna perguntou a razão disso e o discípulo respondeu: "Não tenho necessidade do tablete. Se lhe aprouver, mestre, faça preparar uma porção de vasilhas cheias de água". Assim, mil grandes recipientes foram preenchidos com água e colocados ali, na floresta. Siddha Singkhi acrescentou, então, uma gota de urina a cada uma das vasilhas, o que transformou todo o líquido em "elixir de outro". Nagarjuna recolheu todas as vasilhas e as escondeu em uma caverna remota e inacessível, recitando uma prece para que elas pudessem beneficiar os seres dos tempos futuros.

Siddha Singkhi nem sempre se mostrara tão hábil. Quando encontrou Nagarjuna pela primeira vez, era tão obtuso que não conseguia aprender sequer um único verso em um período de vários dias. Nagarjuna, então, disse-lhe, em tom jocoso, para meditar que um chifre crescia sobre sua cabeça. O discípulo assim o fez, mantendo seu objeto de meditação tão firmemente que adquiriu sinais visíveis e tangíveis de ter desenvolvido chifres. Dessa forma, foi-lhe impossível sair da caverna em que estivera meditando, pois os chifres prendiam-se nas paredes. Siddha Singkhi então recebeu instruções para meditar que os chifres não mais existiam, com o que eles desapareceram.

Percebendo que as características mentais de seu discípulo haviam se tornado agudamente desenvolvidas, Nagarjuna ensinou-lhe vários significados profundos dos mantras secretos. A seguir, Nagarjuna instruiu-o uma vez mais em meditação, e o discípulo por fim alcançou a realização do Mahamudra (Grande sinal).

O mestre viajou depois ao continente setentrional de Kurava. No caminho, em uma cidade chamada Salamana, encontrou várias crianças que brincavam na estrada. Nagarjuna profetizou que um dos meninos, de nome Jetaka, se tornaria rei. Na viagem de retorno, depois de concluir seu trabalho em Kurava, Nagarjuna voltou a se encontrar com o jovem, que já se tornara rei. Por três anos, Nagarjuna permaneceu com Kurava, que ofereceu ao mestre muitas jóias. Em reconhecimento, ele compôs para o rei uma "jóia" do Dharma, isto é o Ratnavali.

Foi então que viajou para o sul, tal como lhe aconselhara a emanação de Tara, para praticar meditação na Montanha do Esplendor. Aí, Nagarjuna também girou a Roda do Dharma extensamente, tanto com relação aos sutras quanto aos tantras. Foi nesta ocasião que compôs o Dharmadhatu Stava.

De modo geral, os escritos de Nagarjuna são divididos em três coleções:

  1. Coleção dos Discursos: incluindo obras como Ratnavali, Suhrllekha, Prajna Shataka, Prajna Danda e Janaposhana Bindu;

  2. Coleção dos Tributos: Dharmadhatu Stava, Lokatita Stava, Achintya Stava e Paramartha Stava;

  3. Coleção dos Escritos sobre Lógica: o já citado Mulamadhyamika Karika e assim por diante.

Além desses, Nagarjuna escreveu outros tratados importantes, explicando os significados não só dos sutras, como dos tantras, realizando atividades como se, de fato, o Buddha houvesse voltado.

Diz-se que Nagarjuna fez três "grandes proclamações do Dharma". A primeira foi sua preservação do vinaya (disciplina monástica) em Nalanda, como explicado acima. Isso foi como o primeiro giro da Roda do Dharma pelo Bhagavan (Buddha). A segunda foi sua clara exposição do puro Caminho do Meio (Madhyamika), através da composição da coleção dos tratados sobre lógica e outros. Isso significou o segundo giro da Roda do Dharma empreendido pelo Bhagavan. A terceira grande proclamação consistiu das atividades do mestre na Montanha do Esplendor, no sul, onde compôs obras como o Dharmadhatu Stava, o que foi similar ao último giro da Roda do Dharma pelo Bhagavan.

Obras tão vastas em prol do Dharma e dos seres sencientes despertaram grande desprazer em Mara e nas forças do mal. Ocorreu, então, que a esposa do rei Udayibhadra teve um menino chamado Kumara Shaktiman. Anos mais tarde, a mãe deu de presente ao filho uma vestimenta fina e rara. A criança disse-lhe, "Guarde esta roupa. Vou usá-la quando chegar o tempo do meu reinado". "Você nunca governar", retrucou a mãe, "pois o mestre Nagarjuna fez com que seu pai e ele tivessem uma mesma vida. Ele não morrerá, a menos que o mestre morra". O menino foi tomado de grande tristeza e sua mãe prosseguiu: "Não chore! O mestre é um bodhisattva e, se você lhe pedir a cabeça, não recusará. Morrendo o mestre, seu pai também morrerá, e o reino será seu".

A criança seguiu então a sugestão da mãe, e Nagarjuna, de fato, concordou em dar-lhe a própria cabeça. Porém, por mais esforço que o menino fizesse, sua espada não era capaz de cortar o pescoço de Nagarjuna. O mestre disse ao menino, "Tempos atrás, enquanto cortava grama, ocorreu que matei um inseto. A força desse mau ato ainda permanece comigo. Assim, você poderá decepar minha cabeça servindo-se de uma lâmina de erva kusha". O menino assim fez, e conseguiu, finalmente, cortar a cabeça de Nagarjuna. O sangue que jorrou do sofrimento transformou-se em leite, e as seguintes palavras brotavam da cabeça decepada: "Daqui parto para o paraíso Sukhavati. No futuro, voltarei a entrar neste corpo".

O príncipe malvado lançou a cabeça a uma distância de várias léguas, temendo que voltasse a se unir ao corpo. Entretanto, como o mestre havia dominado a prática de rasayana, sua cabeça e seu corpo ficaram rígidos como pedra. Diz-se que, a cada ano, ambos estão se aproximando mais e mais, e que afinal, um dia se juntarão. Nagarjuna executará então, novamente, grandes obras em benefício do Dharma e de todos os seres.

O mestre Nagarjuna viveu, ao todo, seiscentos anos, assim está escrito no Manjushri Mulakalpa Sutra:

Depois que eu, o Tathagata, houver passado,
E quatrocentos anos houverem transcorrido,
Um monge, "O Naga", aparecerá,
Para grande fé e benefício do Dharma.
Ele alcançará o estágio da Grande Felicidade
E por seiscentos anos permanecerá vivo.

(Nagarjuna. Carta a um amigo: com o comentário do Venerável Rendawa, Zhön-nu Lo-drö.
Traduzido do original tibetano para inglês pelo Geshe Lobsang Tharchin e Artemus B. Engle,
traduzido para o português por Manoel Vidal. São Paulo: Palas Athena, 1994. Pág. 16-24.
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http://www.dharmanet.com.br/prajna/biografia.htm

AVALOKTESWARA

OM MANI PADME HUM
OM MANI PADME HUM
OM MANI PEDME HUM